quinta-feira, 26 de abril de 2012

Jerome Faria "Overlapse" review


Jerome Faria
“Overlapse”
Enough 2012



Há momentos em que imaginamos a possibilidade de nos inebriarmos aquém de todas as particularidades necessárias à compreensão mundana, de espreitarmos as belezas que o universo, extenso e misterioso, poderá dar-nos a conhecer. Com “Overlapse”, Jerome Faria (compositor português, também conhecido como NNY, que já edita desde 2004, participou em diversos festivais de renome a nível mundial e actuou bem como colaborou com reputados artistas internacionais) apresenta uma experiência sonora tão febril quanto apaziguadora, tão inconstante quanto sedutora, e convida-nos a esquecer que o mundo onde nascemos existe. Este é um álbum composto por facetas desiguais que se unem e desunem como se num bailado frenético, que correspondem a uma harmonia arranhada por um ácido improvável, um que apaga qualquer linguagem fugaz e surge com uma sintética que nos analisa em espectros tão inconstantes quanto a demência. Seremos sensíveis ao desconhecido? Compreenderemos o que é dar um passo além do que é normal? Perderemos o medo perante o que é imprevisível? Talvez o paraíso seja mesmo um lugar onde a ansiedade não nos espera. Só que, aqui, é um tanto difícil deixar de a sentir… No entanto, se pusermos de parte a luz, se relaxarmos o suficiente de modo a apreciar esta maravilhosa apresentação sensorial, poderemos descobrir algo mais em relação ao nosso íntimo. Aí, sim, poderemos dizer que estamos aptos a reinventarmo-nos pois a normalidade pouco ou nada interessará.



(9/10)

 Jorge Ribeiro de Castro

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Darkside of Innocence - Entrevista


Darkside of Innocence


            Entrevista feita por Jorge Ribeiro de Castro (Versus Magazine)

                                         


A filosofia da evolução


            Após sete anos de existência, Darkside of Innocence volta com um novo álbum, uma perda de membros, apenas tendo ficado o seu mentor, Pedro Remiz, mas também com uma nova vitalidade. Usando e abusando do classicismo, jazz e electrónica somos levados a uma viagem sonora e psicológica que de certeza não nos deixará indiferentes.



1 – Saudações! Desde já, dou-te os parabéns por um excelente álbum. Tendo em conta as influências musicais, quais achas que serão pertinentes para descrever a sonoridade da banda? Achas que ser original é contraproducente pois nem todos poderão compreender o que foi criado?

– Boas, Jorge. Desde já fico-te bastante grato tanto como pelo interesse, como pelos elogios proferidos relativamente ao recentemente editado Xenogenesis. Bem, em primazia falar de influências musicais é falar do mundo – daquilo que nos rodeia e daquilo que podemos apreender do cosmos. Qualquer coisa pode fazer com que queiras produzir um álbum; uma visão do paraíso, uma memória trágica, um sentimento que nos prende a um determinado objecto ou ainda uma ideologia. É a expressão destes pequenos grandes detalhes, dentro dos mais variados contextos artísticos, que depois irá moldar a sonoridade/imagética relativa ao projecto. Já relativamente à segunda questão, não penso que seja contraproducente, porque em primeiro lugar o artista é quem se tenta deleitar em primeiro lugar, depois então e não obstante, por norma procura satisfazer-se com o feedback social – que não pretendo de todo menosprezar. Acho no entanto e realmente que quando há algo muito diferente do que se espera conhecer – seja na música ou em qualquer outra área da vida -, a reacção vai ser no mínimo de estranheza e em primeira instância, penso que será mais complicado que aquilo se entranhe de uma forma mais efectiva, levando-nos muitos vezes a rejeitar ao primeiro contacto, uma possível nova abordagem artística.


2 – Cada ser é capaz de vir com uma determinada filosofia embora nem sempre seja a mais positiva. Em que consiste a que pretendes transmitir? Achas que o público será capaz de compreender a temática, vir com as suas próprias ilações e olhar para o universo de uma forma menos… comodista?

– A filosofia que abordo permanece de certa forma, em incógnita até para mim mesmo. É a filosofia da evolução, da constante mudança e da adaptação crua e dura ao que nos rodeia, sem olhar para o ontem ou para o amanhã com remorso. É a filosofia de Sophia - a magnitude que esta imprime em mim. Por acréscimo e sinceramente, ainda me mobiliza uma necessidade altruísta de dar algo extraordinário ao mundo, relembrando aqueles que igualmente trouxeram a mim, o que posso conhecer de melhor hoje. Pondero a possibilidade do público entender a temática de uma maneira muito intra-subjectiva e parcial, sendo que de certa forma, é só através das suas projecções que o sujeito tem a oportunidade de entender o que pretendo transmitir. Talvez seria melhor precisarmos ao que seria referente o ser-se comodista perante o universo, antes de escrutinarmos o tema. Isto porque não acredito em comodismos totalitários e generalistas. Tal como tudo, a pergunta deve ter a sua especificidade ainda por cima quando falamos de um termo que tem tanta extensão como o universo. Acho que cada pessoa tem necessidade de obter prazer e evadir-se da dor e, graças à subjectividade que é inerente a cada um e à nossa inevitável susceptibilidade aos mais variados estímulos, fomentamos os mais variados desejos, que podem ou não, ter consequências grandiosas ou desastrosas na nossa presciência colectiva. Talvez e a título de exemplo, um jogador de futebol que ganhe milhões, feche os olhos à crise e à miséria instaurada, mas não é isso que faz com que este seja menos ambicioso noutros contextos talvez mais egocêntricos. 

3 – Consegues encontrar um fio condutor aquando da composição ou deixas-te levar pelo que te inspira no momento?

– Deixo-me levar pelo que me inspira no momento, por vezes. Noutros teço laços relacionais e estruturas que ligam as músicas de forma perfeita e permitem a elaboração de obras de cariz bem mais conceptual. E curiosamente é engraçado que fales nisso, já que ainda recentemente estive a conceber mentalmente um novo registo com alguns temas interligados de certa forma, que vem dar azo a esta nova era de renascimento pelo qual os Darkside of Innocence estão a passar.


04 – Foi-te fácil compor para este álbum, aquela necessidade que todos os artistas têm, mesmo com a perda de membros? Há algumas músicas que te transmitem mais do que outras?

– Como quase toda a música que temos feito, Xenogenesis teve os seus contornos mais delicados que levaram alguma frustração e fragilidade a quem foi interveniente na sua composição. É um álbum que marca uma época de transição, de uma banda que se formou há sete anos atrás, quando éramos crianças inocentes com meros sonhos e fantasias sem qualquer rumo ou saber, para um projecto que tem agora no seu cerne alicerçada uma noção bem mais consciente e assente do que se deve projectar no meio em que nos encontramos. Na verdade, é engraçado porque, no álbum há exactamente duas fases; uma que representa o culminar dessa experiência enquanto banda – as últimas três músicas excluindo a outro -, e uma fase que reflecte bem esse renascimento – as três primeiras faixas excluindo a intro. No geral o álbum apraz-me sem temas predilectos, fazendo fluir cada um destes com as suas especificidades. Quando crio álbuns todos os temas têm que estar ao mesmo nível na minha consideração.

5 – Gostei imenso da capa. Como surgiu a ideia para a idealização da mesma?

– Obrigado. Especificamente é uma imagem que trata da cada vez maior influência que Sophia tem sobre nós - seres vivos capazes de sentir compassividade. Aquela sombra a projectar uma serpente – que demonstra sapiência - para dentro da boca do personagem em foco, representa a forma como cada vez mais somos sujeitos a atingir o modelo de singularidade, à medida que vamos conhecendo o universo e abrangendo os nossos padrões éticos a todos os tipos de vida sensível à dor e ao prazer. É engraçado como parece de todo uma entidade maligna com motivações macabras, mas acho que a minha intenção foi mesmo a de representar uma espécie de vírus que se quer alastrar violentamente e vive à sombra da própria vida, ainda que a sua necessidade de existência, possa ser considerada como algo benévolo. Foi um processo de lenta incrementação com variações tremendas. As ideias nunca surgem acabadas – pelo menos comigo – e neste caso não foi excepção. É a moldura de um espaço temporal, em que vários fenómenos ocorrem e me inspiram consecutivamente para criar arte.

6 – O que consideras ser melhor para promover um agrupamento? Uma editora que edita álbuns da forma mais convencional ou a Internet, que possibilita o download pago e ajuda mais a banda, mesmo que seja mais difícil arranjar concertos?

– Acho que a conciliação das duas possibilidades, é o caminho para um sucesso de vendas. 

7 – Pretendes adquirir mais membros de modo a poderes promover a banda, tanto a nível nacional como internacional? Em suma, há já planos para alguns concertos este ano?

– Sim. É um dos sectores em que me encontro a trabalhar actualmente, não só para possibilitar as desejadas actuações em eventos ao vivo, como para poder compor um novo registo. Posso adiantar, que me encontro a trabalhar com dois músicos, que em principio constituirão parte do núcleo que a longo prazo deverá antes de tudo, ser sólido. Relativamente aos concertos, não me concerne propriamente apressar as coisas. Como referi numa das questões prévias, existiu um renascer no seio dos Darkside of Innocence, sendo que, nesta fase tão prematura é totalmente impensável levar o projecto para a estrada infelizmente.

8 – Agradeço-te imenso pelas respostas. Deixa um comentário final.

– Aproveito para te parabenizar pelas questões realizadas e pelo trabalho que tens vindo a efectuar. Confesso ainda que comentei há uns dias com o Joel – da Infektion Records – como as perguntas estavam muito bem elaboradas e deu-me gozo poder responder a estas.

entrevista publicada na "Versus Magazine"

Ygodeh “Dawn of the technological singularity (curta)


Ygodeh
“Dawn of the technological singularity (curta)
2011 MDD


Ygodeh é uma banda da Letónia que toca um Death-Metal Progressivo imerso em entoações sombriamente irrequietas. A complexidade estilística dos ritmos e melodias pode ser de difícil compreensão mas não deixam de demonstrar uma grande qualidade. Seguramente uma banda que vale a pena ter em atenção pois ofusca os agrupamentos menos inspirados/originais, aqueles que nada de novo criam.

9/10
Jorge Ribeiro de Castro

crítica publicada na "Versus Magazine"

Puteraeon “The esoteric order”


Puteraeon
“The esoteric order”
2011 Cyclone Empire
           

Apesar de toda a técnica instrumental que Jonas Lindblood (Taetre) soube dar a conhecer ao longo dos anos, com Puteraeon, surgido em 2008 na cidade de Gotemburgo, mostra como é que se deve sulcar as viscosas saliências de paisagens arduamente revestidas pela perversão, malhadas a ferro e respiradas a fogo. Sendo estas anteriormente desbravadas por certas monstruosidades como Dismember, Unleashed, Grave e Entombed no inicio dos anos 90, podemos assumir que tal não é uma tarefa fácil mas que dizer do trabalho de alguém que também esteve no início de um movimento que, vinte anos depois, ainda perdura? Após três demo-Cd e já com um alinhamento mais consentâneo com a ideia de banda, este é o primeiro álbum e, se por um lado notamos que os abismos pelos quais singra têm uma correspondência tão mordaz quanto a ideia de inferno, por outro verificamos que os asquerosos ritmos que tão bem arrepiam o espírito em nada impelem ao aborrecimento. Sim, por vezes faz bem ouvir uma banda que não tenha prazer em ser reconhecida pelas suas harmonias convencionais e que demonstre ter carácter sem se importar com as mazelas que os anos inculcaram. Para os mais desatentos, este álbum poderá parecer apenas uma homenagem a tempos idos mas não! Este é um maquiavélico elixir que soa ainda mais poderoso por nos dar a conhecer que existe quem queira rumar contra a maré que é o comercialismo e mostrar que “qualidade” também se escreve de forma tortuosamente sombria. 

8/10
Jorge Ribeiro de Castro

crítica publicada na "Versus Magazine"

As Hell Retreats “Volition”


As Hell Retreats
“Volition”
2011 Ain’t No Grave Recordings

A vida contém uma plenitude de harmonias e discordâncias, palavras e actos que influenciam o modo de cada um ver o universo. Apesar do que qualquer magnânimo ser pretende transmitir devido à sua perfeita visão acerca do que deve ser a vida, há quem queira controlar os seus próprios passos, vivenciar, experimentar e racionalizar segundo uma propriedade mais intimista. Aliás, é o que o próprio nome do álbum transmite… “As Hell Retreats é uma jovem banda de Hendersonville (EUA) que mostra logo à primeira audição ser influenciada pelos grandes mestres da trucidação matemática, Meshuggah. Claro que também existem certos apontamentos melódicos que se apegam à alma mas também aquela panóplia tão comestível por certos jovens, a base mais do que apodrecida designada por Death-Core, que não retira muita qualidade à banda, isso sendo feito devido a uma certa falta de originalidade. Não me levem a mal, apenas tenho os ouvidos saturados… Aliado à música há o conceito lírico deste álbum em que, a cada faixa, há um capítulo de uma história que dá a conhecer que a personagem principal atravessa um período de depressão e amargura, uma torrente de angústia que a leva a considerar a sua existência como não tendo um final feliz… até encontrar uma verdade bíblica, o caminho para a luz, a salvação nos braços do redentor. Okeys, não há algum mal nisso, cada um vive como desejar, mas se calhar a partir da 13ª faixa haveria um outro capítulo designado por “subjugado”.


7/10
Jorge Ribeiro de Castro
crítica publicada na "Versus Magazine"

Ancient Ascendant “The Grim Awakening”


Ancient Ascendant
“The Grim Awakening”
2011 Siege of Amida Records


Para quê preciso de uma máquina do tempo quando há quem me leva aos inóspitos recantos dos primórdios do Death-Metal carrancudo e podre sem me sujeitar à audição das mesmas envenenadas melodias que me atraíram já há quase vinte anos? Bem, quando comecei a ouvir o que se tornou o meu estilo preferido (aparte do Doom e Black) os integrantes de Ancient Ascendant tinham 4 a 5 anos mas quão bem faz saber que estes cortaram quaisquer amarras com a jocosidade “mtv-boring” e prosperaram além do que é mundano. Sendo proficientes instrumentistas, podem não mostrar uma inaudita complexidade na construção das músicas, embora estas tenham o seu qb de latejante virtuosismo, mas vale a pena referir que a composição deste seu primeiro álbum regurgita tanto de qualidade que só poderia conquistar sem qualquer esforço o mais acérrimo adepto do estilo. Sim, poderia, mas se o deixa satisfeito é algo que só cada um sabe… Isso porque o que por vezes se mostra apelativo, uma certa avidez em guerrear sem se importar com qualquer périplo, é logo destituído por uma toada a meio tempo que quase reprime aquela cadência que nos faz bem. É assim a portentosa vida,  


8,5/10
Jorge Ribeiro de Castro
crítica publicada na "Versus Magazine"

Vale of Pnath “The Prodigal Empire”

Vale of Pnath
“The Prodigal Empire”
2012 Hammerheart Records/Willowtip


Quem conhece a majestosa obra de H. P Lovecraft de certeza que se lembra de uma novela (À procura de Kadath) onde aparece uma referência ao Vale de Pnath, um lugar preenchido com uma grandiosa pilha de ossos e para onde seres repugnantes levam as suas vítimas de modo a que morram. Bem, dada à montanha de influências e de qualidade que esta banda possui, podemos não deixar esta realidade mas de certeza que, após a audição deste seu primeiro álbum, ficaremos extremamente contentes. Afinal, quando se lê que é recomendada a amantes de Death, Dark Tranquility, Arsis, Necrophagist e Meshuggah, algo maquiavélico desperta. Após a edição em 2009 do Ep “Vale of Pnath” através da Tribunal Records, a fama desta banda de Denver, Colorado, aumentou dada à boa recepção por parte dos meios de comunicação e dos fãs. Com “The Prodigal Empire” (editado em Agosto de 2011 pela Willowtip e prestes a ser editado em Janeiro de 2012 pela Hammerheart Records), as expectativas não foram goradas pois a ambiência que faz jus ao nome da banda é concebida por diversos elementos, estes tão técnicos quanto soturnos, que lembram a maravilhosa escrita de Lovecraft, a sua arrepiante jornada pela descoberta dos feitos de deuses tão antigos quanto o tempo e de seres humanos enlouquecidamente curiosos. A ampla sinfonia de perdição que ouvimos é pródiga em sinuosidades melancólicas, rudes e tecnicistas quanto basta, sendo, sem sombra de dúvida, um excelente agrupamento a ter em conta.



9/10
Jorge Ribeiro de Castro
crítica publicada na "Versus Magazine"