PRIMORDIAL
DA
MORTE À REDENÇÃO
Entrevista feita por Jorge Ribeiro
de Castro (Versus Magazine)
Com
uma carreira de mais de vinte anos, vários álbuns editados e algumas dores pelo
caminho, Primordial apresenta em 2011 uma nova carga de adrenalina que revela
que a inspiração não lhes traz descanso. Porque a qualidade é uma das melhores
facetas deste agrupamento, aqui ficam as respostas intuitivas e filosóficas de
Alan “Nemtheanga” Averil.
Saudações. Primeiro que tudo
gostaria de congratular Primordial por um álbum soberbo. Sendo fã desde os anos
90, faz-me bem saber que ainda são uma banda muito motivada, capaz de criar
canções tão fervorosas. No entanto, houve um período em que não se sentiram
assim… Quão difícil foi de ultrapassar os problemas que a fama traz e o delírio
momentâneo de ver a banda quase a fenecer após tantos anos a trabalharem juntos
como uma tribo de irmãos de sangue? A morte nunca é uma experiência bonita
quando a fé abala…
Parece
simples mas a vida é a vida. Acontece, temos baixos e altos. Alguns de nós
aguentam melhor com o facto de estarem numa banda do que outros. Há sempre
tentações, algumas vezes é como viver numa realidade alternativa e perdermo-nos
pode ser fácil. Tivemos alguns momentos sombrios e não penso que a escuridão
irá desaparecer para sempre mas talvez precisamos disso por vezes de modo a
ganharmos algum discernimento e perspectiva.
Sendo designados por várias
pessoas como uma banda Pagan/Folk, são, no entanto, mais invulgares do que
muitos por aí afora, estes tendo sido enquadrados naquela tela pagã (de alguma
forma influenciada pelo power-metal) muito mais tarde após vocês aparecerem.
Como essa designação é uma extensa definição de muitas bandas, o que é que
Primordial considera ser e representar embora exista clara inspiração nas
raízes folclóricas irlandesas?
Para
ser honesto, tal é apenas jornalismo preguiçoso. As pessoas fazem pressupostos
baseados no que ouvem dizer. É óbvio que temos algumas referências aqui e ali,
em alguns dos álbuns mais antigos, ao “paganismo” ou a um ponto de vista pagão
ou a elementos de folclore em duas canções, que eu uso como metáforas para a
vida moderna mas nada mais. Temos algumas influências da música tradicional
irlandesa mas Primordial não é uma banda folk ou pagan metal. É sobre o aqui e
o agora, usamos a história verídica de modo a vir com pontos de referência
modernos. Não há fantasia ou escapismo. Claro que temos fãs dentro dessa cena e
temos este sentimento Pagão que é importante mas existe muito de cinzento nas
tonalidades de preto e branco.
Sentem-se um pouco postos de
parte, em relação ao aspecto promocional, pelas editoras que assinaram ou pela
imprensa Metal já que, quase duas décadas após aparecerem na cena, tiveram uma
melhor oportunidade, através da Metal Blade, para serem conhecidos como uma das
melhores bandas de Metal actuais? Afinal de contas, vocês nunca mudaram o vosso
som ou tiveram menos qualidade, apenas melhoraram-na, pena que teve de ser uma
certa moda que os fizeram ser mais conhecidos…
Possivelmente.
Sempre pensei que merecíamos mais do que recebemos mas o que vai, volta e
talvez fosse melhor termos “crescido” devagar do que sermos um sucesso
instantâneo como alguns dos nossos pares. Não é apenas a cena pagan metal que
nos segue mas também os fãs do metal mais mediático. É melhor não viver com
remorsos e olhar sempre em frente.
A escrita para um novo álbum é
sempre stressante embora seja uma grande força motivadora para uma banda.
Ouvindo “Redemption…”, parece que, embora seja chamado do álbum da “morte”, ainda
existem os gritos de revolta que inflamam o espírito. Será que Primordial
considera-o a sua própria redenção por deixarem os erros comuns de ser-se
humano perturbar a banda? Será que, como letrista, consideras este álbum o teu
próprio “requiem” ou, se não existe “luz” neste planeta, o do mundo?
Difícil
de dizer. Suponho que, em muitas maneiras, os eventos dos anos passados colocam
esta moldura redentora à volta do mundo mas isto faz sentido de várias formas.
Todos nós procuramos por alguma forma de redenção dos nossos impulsos naturais
para fazer o que a sociedade nos disse ser errado ou injusto. Esta é uma
procura de redenção e também de revelação de modo a que tudo faça sentido num
contexto “espiritual”.
O conhecimento de um homem acerca
do mundo ao redor dele faz com que seja um melhor juiz de si próprio embora tal
poderá não trazer um final feliz… Um grande poeta e escritor português do
inicio do séc. XX, Mário de Sá Carneiro, lidava com questões relacionadas com a
mortalidade, cometendo suicídio aos 26 anos. Um dos seus livros, A Loucura –
narra os seus medos de envelhecer… Assim, desde a criação de Primordial, quanto
dos eventos mundiais e lições de história, inspiraram-te para escrever as
líricas? Quanto foi retirado de ti de modo a dispersares pensamentos e emoções…
até medos, de modo a ajudar-te a avançar?
Penso
que é essencial em tudo. É a minha catarse e também o meu diário pessoal e
muito público. Ajuda-me a aguentar de alguma forma com essas emoções tal como o
faz de maneira esperançosa com o ouvinte. Tudo o que posso escrever advém da
minha perspectiva, como me comprometo com o mundo à minha volta.
Embora a capa pareça minimal, na
minha opinião o símbolo descreve perfeitamente o que se pode esperar quando se
ouve o álbum: o temor que malha a luz. Quem o desenhou e o que representa
exactamente?
Pertence
a uma série de seis partes, a memento mori do século XVII como considero ser.
Sempre me senti atraído por estas imagens medievais da pós-reformação e
xilogravuras que lidam com a morte. Originalmente, queria-a como uma tatuagem
mas começou a fazer mais sentido como capa do álbum. Adicionamos a mão no meio,
isto representando o puritanismo e a tentação.
Têm um dvd editado, “All Empires
Fall”. Pode ser difícil ser objectivo como estão por “dentro” mas pensam que o
esforço posto na sua produção captura mesmo bem o que a banda deseja transmitir
no formato ao vivo?
Pessoalmente,
penso que é um dos melhores dvd de espectáculo alguma vez editados e eu digo-o
sinceramente. Os ângulos de câmara e estilo em que é filmado são sem qualquer
dúvida algo novo e inovativo e pode aguentar visualizações repetidas. Até
agora, todos parecem tê-lo apreciado.
Poderá haver um fim amargo mas a
vossa música está longe disso. Agradeço as respostas e desejo-vos tudo de bom.
Espero vê-los em Portugal o mais depressa possível. Keep the spirit inflamed!!!
Como
sempre. Alegria e força. Bloodied yet unbowed to the bitter end.
entrevista publicada na "Versus Magazine"
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